quarta-feira, 8 de outubro de 2014

Pesadelo / sonho - dignidade / monstruosidade - Direitos humanos / desumanidade

Acorda em sobressalto.

Breu!

Torpor.

Julga sentir um cheiro a bafio. À medida que acorda, o "pingue-pingue" de água solta vai-se tornando vagamente familiar. E o cheiro. Reconhece lentamente aquela cave húmida. Ainda a sonolência. Sente-se flutuar. Invade-o uma sensação inexplicável de paralisia.

O ritmo cardíaco acelera e o suor escorre-lhe pelas têmporas. Os músculos contraem-se tornando-o hirto.

Para que o coração não lhe salte do peito, tenta ocupar o cérebro em detalhes. Imagina um espelho. Observa os singelos cabelos brancos. Os sulcos escavados na pele curtida. A expressão endurecida. Olhos antigos. Vividos. E vívidos de memórias. Orgulho. Velhice. Toda uma Vida bem preenchida. Um eu encarquilhado por fora. O sangue volta a fluir vagaroso nas veias. O coração recupera o ritmo natural. Esquece, por momentos, a escuridão e sorri um sorriso desdentado.

Um estrondo infernal tra-lo de volta à cave humida.

Clarão. Estalidos. Dor lancinante. Gritos. Seriam seus? Seria sua, a dor que agora sentia? Sentia-a?

Tenta gritar e ninguém o ouve. Ou ninguém reage. Corpos desmembrados, de olhos vidrados. Poças de sangue coagulando no chão. Um odor fétido a ferro, suor e urina fazem-no arrepiar-se de nojo. O coração desvairado e o ruido ensurdecedor do sangue a atropelar-se nas veias. Um oficial dispõe uma parafrenália de instrumentos hediondos, de cirurgião talhante, mesmo ao seu lado. Tenta levantar-se para escapar, mas o corpo pesa-lhe o mundo. Mantém-se colado na mesa apesar do esforço sobre-humano. O suor encharca-lhe a pele inflamada. Como num sonho. Como num pesadelo.

Impotência. Tortura. Desespero.

Luzes! Um clarão que carrega consigo uma dor insuportável. E depois a escuridão e o silêncio que a acompanha. E por fim o nada que aplaca todo o sofrimento.

Quando consegue finalmente abrir os olhos, está novamente no seu quarto, o sol matinal a derramar a sua luz simultaneamente violenta e apaziguadora. O coração descompassado, a confusão instalada, o fôlego difícil de recuperar.

Afinal...

O fôlego recupera-se aos poucos. Uma sensação doce de plenitude abranda-lhe o coração. Recorda a sua falecida esposa e as manhãs em que faziam amor quando o sol os acordava de mansinho. E deixa-se dormitar numa paz morna, matinal. Aos poucos, mergulha nas profundezas de um sono sem sonhos.

Um sorriso desconcertante aflora nos seus lábios. O oficial volta a fechar a maleta dos instrumentos, contemplando-o. O sangue escorre para o chão. O corpo massacrado do velho prisioneiro, jaz sobre a mesa, inerte.

(Imagem retirada daqui)

6 comentários: