Nunca gostara muito de estar parado na primeira posição. Sempre tivera receio de se distrair e de, consequentemente, ser repreendido pelas buzinadelas irritadas dos condutores de trás.
Noutras circunstâncias permaneceria de pescoço esticado, nunca perdendo o semáforo de vista até que este voltasse a ficar verde.
Hoje era diferente. Tinha acabado de a deixar na paragem de autocarro. Essa mulher apaixonada, inteligente, meiga e inesperada que generosamente acabara de lhe oferecer uma centelha de vida dentro da vida.
Começava agora a perder-se em memórias quase sensoriais dos momentos que partilharam juntos nessa tarde: os seios de veludo, por baixo da roupa, a mão dela, quente, pousada sobre a sua, os lábios intensos e ávidos, a língua ágil, o toque suave, mas tão intenso, marcado a fogo na pele, o espaço exíguo do carro e a proximidade reconfortante dos corpos...
Apesar da clandestinidade do encontro, fora capaz de se abstrair de tudo. E isso deixava-o surpreendido consigo mesmo. E com ela. E com a forma como lhe demonstrou que a falta de paixão é fatal. Descobriu que afinal morria todos os dias. Em vez de viver.
Nunca duas horas duraram tanto tempo. E nunca duas horas foram tão curtas...
Lera algures que a rotina é uma coisa boa, se for bem vivida. Nunca gostara de citações perdidas e descontextualizadas, em geral enquandradas numa imagem de mau gosto e a tresandar a auto-ajuda. Mas passavam-lhe em frente dos olhos sem que as pudesse evitar e ficavam-lhe no subconsciente... De vez em quando vinham à superfície. Como hoje.
Hoje era diferente. Hoje absorvera por completo o sentido de uma rotina feliz na companhia daquela mulher com quem sonhava todos os dias. Aquela mulher que finalmente se materializara no seu carro, nas suas mãos, na sua boca, na sua pele, na sua alma...
Sentia-se aturdido pelo turbilhão de sentimentos e conflitos em que de repente se encontrava mergulhado. Mas por alguma razão estranha, tudo lhe parecia certo. Um sentimento inexplicável de felicidade invadira-o. E a serenidade acabou por se sobrepôr a tudo o resto.
Uma buzina trouxe-o de volta ao semáforo, que se tornara verde.
Com um sorriso descontraído levantou a mão direita, pedindo desculpa ao condutor de trás. Hoje era diferente. Enquanto metia a primeira, teve a única certeza férrea de que se lembrava dos últimos tempos: era o primeiro semáforo vermelho que não lhe deixava o pescoço dorido.
(imagem retirada daqui) |
Mesmo lindo.... viajei até ao local desse semáforo ;)
ResponderEliminarSónia
www.tarasemanias.pt
;-)
EliminarÉ bom quando o que escrevemos é recebido assim! Obrigada, Sónia! :-)
ADOREI :D Tão lindo...
ResponderEliminarhttp://sofiamargaridablog.blogs.sapo.pt/
Ai, fico tão feliz!
EliminarMinha futura companheira à distância de pinturas de livrinhos de colorir em tardes de Sábado chuvosas! XD
:D Tens mesmo de ficar, está mesmo bonito!
ResponderEliminarÈ verdade. o meu moço já está num gozo comigo... :P
:-D
EliminarHahahah Ai o magano! Pergunta-lhe se quer também colorir umas figuras contigo! Os moços não costumam resistir a desafios. ;-)
Lindo :))
ResponderEliminarBeijinho*
www.flordemaracuja.pt
Obrigada!
EliminarUm beijinho e desejos de um excelente fim-de-semana!
Ele diz logo que tem que fazer, e realmente tem... está a construir com o meu pai um banco com paletes para o exterior :D Eu fico na companhia dos cachorros a pintar :P
ResponderEliminarEna! Um banco feito com paletes para o exterior! Hum... Belo projecto! Depois tens que tirar fotos para vermos a obra acabada! :-) Essa parece-me uma boa desculpa para falhar o desafio das pinturas. Pronto, está desculpado. ;-)
EliminarSim, eu desculpo-o :P
Eliminar;-)
EliminarQue texto extraordinário, simplesmente adorei! Bonitas palavras :)
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Obrigada, Miguel. :-)
EliminarJá agora, fica o desejo de boa sorte para o prolongar dos teus sonhos tornados realidade! Parabéns! :-)
Bom fim-de-semana!