quarta-feira, 17 de setembro de 2014

Oh, se a música às vezes nos inspira! (mal ou bem... lol)

Ressoam pelo ar as palavras soltas da introdução de "As putas dançam slows". Os acordes da música parecem flutuar à sua volta.

"É pá, adoro esta música... Caramba, a puta da vida é tão irónica..."

Caíra desamparada no chão. Começava agora a sentir o cabelo ensopado. Era do líquido que escorria do alto da sua cabeça, primeiro aos borbotões e agora já lentamente, levando consigo a consciência. Seria sangue? Já não tinha certeza.

"Merda. Acabei de lavar o cabelo!" O sabor ferruginoso do fio espesso que lhe escorrera pela fronte, lento, confirma o sangue.

A melancolia da música subitamente invade o quarto, mas as palavras soam agora difusas.

Quase ininteligíveis. Sabe aquela letra de cor, mas não consegue reconstitui-la. Manuela pressente que não lhe resta muito tempo. Sabe que vai morrer. Já não sente as mãos nem os pés. O seu braço esquerdo começa a formigar e sente-se entorpecida.

"Sempre pensei que a morte doesse mais"

O autor do seu desfecho já não está ali.
O silenciador garantiu a discrição de que ele precisava para realizar o seu serviço sem incómodos. Ninguém ouvira o estalido do mecanismo infernal.

Apenas o cheiro a pólvora queimada lhe faz companhia.

Curioso. Sempre desejara morrer sozinha. Aterrorizava-a a ideia de um ajuntamento de mirones criticando o traje, o modo, a vida.

Manuela não acreditava no amor das novelas, dos filmes, dos livros. Era isso que lhe permitia ser puta, excelente profissional. Nunca esperava nada do cliente, a não ser a remuneração garantida pela satisfação. “Amando quem a queria amar” sempre a pronto pagamento, dinheiro à vista. Nada de promessas. Nada de expectativas. Amor de aluguer.

Foi o amor em que não acreditava que lhe colocou o ponto final na vida. Quem lhe alugava o corpo, comprava-lhe momentos e queria levar-lhe a alma pelo preço mais baixo. Há quem não saiba ouvir um não.

"Fiquem-me com os ossos e a casca, seus porcos! O resto, levo eu"

Recorda ainda os últimos minutos: o ligar da aparelhagem, o duche, a campainha, o pressentimento estranho, o embrulho no estômago. Vê as suas próprias mãos a abrir o trinco e a puxar a porta para si. Sente novamente o calafrio ao olhar para aquele rosto frio e imperscrutável, a certeza brutal da morte próxima.

Sente o alívio.

O último suspiro chega com um arroto, enquanto as últimas gotas de sangue lhe abandonam o corpo inerte.

2 comentários:

  1. Caramba, que inspiração forte!
    O texto é teu ou uma música fez-te recordar dele?

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    1. Fui eu que o escrevi. :-)
      E foi inspirado nesta música! ;-)

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